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SINOPSE
MARCELA é um ensaio fotográfico, realizado em 2017, no Uruguai, pelo fotógrafo Dus Hamanaka Mandell e Marcela Ikeda, amiga do artista, que foi modelo e motivo desta obra. O ensaio é um experimento de transferência da narrativa fotográfica, deslocada do olhar do fotógrafo e focada na vivência da modelo, numa tentativa de devolver à Marcela sua voz, silenciada por uma história de violência que permaneceu por muitos anos em segredo.
APRESENTAÇÃO
Este projeto visa a realização da exposição fotográfica e da produção do Fotolivro MARCELA, que compreende uma série de fotos de um ensaio homônimo realizado no Uruguai, em março de 2017. Neste ensaio, fotógrafo e modelo experimentam uma transferência da narrativa fotográfica, que se desloca do olhar do fotógrafo para a performance da modelo.
Isso porque o mote para o ensaio é um tema bastante delicado, espinhoso e pessoal: o abuso sexual. Nesse caso, trata-se de um enfrentamento objetivo de uma realidade vivenciada na pele pela própria modelo do ensaio, Marcela Ikeda, que ainda menina havia sofrido violência sexual e que por muitos anos manteve-se calada sobre o assunto. Além do silenciamento, das inúmeras máscaras sociais adotadas para conviver e lidar com histórico tão agressivo, houve também uma modificação do seu olhar sobre seu próprio corpo. Um corpo não mais aceito, negado em suas potências, apagado como narrativa e como matéria.
A ideia do ensaio surgiu após Marcela Ikeda confidenciar ao fotógrafo a história de quando ainda criança, mudou-se para o Japão com sua família e nessa época bastante conturbada da vida familiar, atravessada por inúmeras adaptações e dificuldades, ela sofreu violência sexual, praticada por um membro da família. A situação, à época, obrigou Marcela a um longo silêncio sem poder contar com ajuda ou amparo para superar esta traumática experiência. Além disso, sua relação com seu próprio corpo parecia comprometida e ela não se reconhecia mais na sua própria imagem. Já adulta, Marcela quebra o silêncio e resolve dividir sua história com o amigo, que propõe, como troca pela confidência íntima, um presente: um ensaio fotográfico, no qual ambos experimentariam ressignificar os sentimentos relacionados ao abuso, ao experimentar o nu como experiência tanto do desvelamento, quanto como caminho de reconciliação com seu corpo silenciado e desprezado por sua própria protagonista, na contramão das interpretações comuns destinadas a esse tipo de ensaio.
Numa tentativa de respeitar a crueza e a brutalidade do evento que enseja o ensaio – a violência sexual – a proposição do fotógrafo é a de interferir o mínimo possível na realidade tangenciada e captada por suas lentes no evento performado, devolvendo a narrativa à sua protagonista. O ensaio foi se construindo a partir do diálogo sobre o tema, tornado o fotógrafo mero espectador de uma organização narrativa. Daí surge a intenção de não intervenção sobre o material captado, num sentido de adoção de uma postura de não atuar sobre as imagens propostas pela modelo: nenhum tratamento, correção, retoque, ou pós-produção das imagens. As imagens serão apresentadas tal e qual foram captadas. Apenas uma edição – no sentido de curadoria, para eleger as imagens do ensaio que irão compor a obra final – seria parte do presente oferecido à protagonista da obra. Isso significa que o artista se curva à realidade apresentada às suas lentes presenteando a protagonista com uma oportunidade de retomada tanto de
sua história quanto do reconhecimento/reconciliação com seu próprio corpo. Mais do que uma narrativa do fotógrafo sobre um fato exterior, MARCELA é a narrativa da própria modelo sobre sua própria história. 
Nesse sentido, este projeto intenta a formalização de uma exposição e da edição de um Fotolivro que respeitem tanto a atrocidade da realidade retratadas no ensaio quanto o contraste entre a realidade e a fabulação, entre o grotesco e o sublime, entre o retrato como recorte do real e a própria realidade objetiva. Desta forma, buscamos aqui pela mesma crueza e contraste, que devem aparecer no resultado final como poética revelada por uma visualidade que prime pelo contato direto do espectador com a obra. O vazio, a negação e a revelação da verdade devem ser evidenciados por um resultado que busca por um não mascaramento da realidade, mas por seu desvelamento brutal e objetivo. Por isso tanto a exposição pública do ensaio quanto a edição do Fotolivro devem primar pela pessoalidade, pela sensação premente de presença, pessoalidade, vida. A ideia inicial é criar um espaço expositivo no qual o espectador seja forçado ao confronto com a realidade – tendo de se aproximar fisicamente do quadro para captar a imagem. No Fotolivro também essa intenção seria intensificada por seu caráter único, irreprodutível, irreplicável, num objeto feito à mão e nunca idêntico a seus pares.
O Fotolivro  será formatado em até 18 fotos, contendo páginas em brando de respiros, sendo as fotos impressas com largo canvas de forma que a imagem fique em proporção significativamente menor que o papel e assim ter que fazer um movimento de aproximação para presenciar o assunto. O tipo de papel teriam características sem brilho, mas também uma certa transparência para dialogar com o projeto, de forma que ao folear as páginas seria possível ver a silhueta da própria mão, elemento que aparece nas fotos por ser algo que remete às lembranças da Marcela em seu depoimento durante o ensaio.
RESULTADOS FINAIS
Como resultado final deste processo, MARCELA apresenta-se com dois rendimentos possíveis específicos de apreciação pública, a saber: uma exposição fotográfica e a impressão de um Fotolivro artesanal.
Em ambos rendimentos há propósitos bastante específicos e alguns questionamentos se impõem: como criar um contato do público com a obra que vise um impacto pessoal? Como aproximar o espectador desta narrativa? Como preservar o caráter individual dessa vivência real, sem reduzi-lo a estatísticas? Como manter a narrativa centrada no relato real da modelo, que cria imagens fabulares para retratar sua experiência? Como garantir que, no compartilhamento dessa narrativa, não se perca a intenção inicial do ensaio de presentear e contemplar a presença da protagonista? Como o fotógrafo se distancia do lugar de narrador e torna-se instrumento de uma outra narrativa, localizada num outro corpo?
A partir dessas perguntas delineia-se um processo de pesquisa que busca refletir sobre as formas de apresentação deste conteúdo, que pensa a exposição pública e a edição do fotolivro como formas complementares de apreciação. Na exposição propomos de início uma conformação do espaço expositivo que, de alguma forma, contemple uma necessidade de aproximação, tanto física quanto pessoal – no sentido do engajamento particular do espectador – na apreciação da obra; dessa forma, a ideia inicial é criar uma composição espacial que exija que o público se aproxime do quadro, com impressões das fotos em tamanho reduzido, contrastando com um extenso espaço do canvas, que sugerem um vazio – retomando a narrativa da protagonista do ensaio.
No Fotolivro , a sensação de pessoalidade, crueza e contraste se afirmariam por uma ideia de confecção e edição artesanal, que evidencie que cada volume seja único, irrepetível, nunca idêntico aos demais exemplares. Também a ideia de presente – como objeto oferecido à apreciação – deve ser reafirmada e retomada como reflexão para o processo de confecção deste objeto-presente. A ideia inicial é que a edição do Fotolivro conte com um mínimo possível de explicações na forma de textos ou legendas, reforçando a ideia da fotografia como ferramenta narrativa. Uma pesquisa de materiais – para encontrar texturas, visualidades e impressões sinestésicas de modo geral – que correspondam aos contextos da vivência relatado pelo ensaio, são parte importante desta pesquisa.
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